O que é Rating, para que serve e como se adquire?




 O Árbitro Internacional (AI) Mauro Amaral, em sua página xadrez total (www.xadreztotal.com.br), de janeiro de 2011, publicou um artigo sobre a medida da força de um jogador, calculada através de fórmulas matemáticas. Essa medida é chamada de rating, do inglês classificação.

A necessidade da republicação desse artigo é uma forma de esclarecimento ao público leigo (nota-se público sergipano), para se ter uma ideia como ele é formado. Aliás, por que ele é importante para o jogador, para clubes e federações.

Mais especificamente, esse artigo do AI Mauro Amaral vai servir de norte aos jogadores sergipanos, aos jogadores do Clube de Xadrez Scacorum Ludus e à Federação Sergipana de Xadrez que publicou recentemente a lista de março de 2015 do rating Blitz, Rápido e Pensado. Enviei email à direção da Federação questionando o nivelamento de força, pelo menos no rating pensado, entre os quase 1000 ranqueados!

Não há critério pedagógico nessa lista recém publicada pela FSX, mas algo estranho que mereceria uma explicação de como se chegou àqueles números. Em anos anteriores, o rating era um só; servia para todos os ritmos: blitz, rápido e clássico.  Não há uma classificação entre novatos, amadores e aficionados. Abaixo de Candidato a Mestre Sergipano (CMS) é o quê? Não é nada? Pois é, a FSX somente criou as categorias de Candidato a Mestre Sergipano (CMS), Mestre Sergipano (MS), Grande Mestre Sergipano (GMS) e Super Grande Mestre Sergipano (SGMS).

Sei muito bem da complexidade que é quando o assunto é rating. O nosso clube, o Scacorum Ludus, sempre foi irregular em sua atualização e atribuir uma classificação em níveis, a exemplo dos novatos e iniciantes. Utilizamos como referência o Elo da FIDE, pelo menos é um padrão aceitável, sem contar que a própria FIDE estabelece um critério de classificação entre novatos e amadores, através do rating, iniciando com 1200 pontos.

A partir dos cursos propostos de iniciação e de nível básico para o semestre de 2015.1 e do calendário já publicado neste blog, vamos fazer o possível para cumprir o dever de casa, sobretudo, se todos do Clube participarem, pois é o que falta à FSX.

Então, leiamos o artigo do AI Mauro Amaral para definirmos uma política de rating mais justa, coerente e pedagógica entre os que iniciam na nobre arte de Caissa.


Por AI Mauro Amaral e AI Marius Romboutvan Riemsdijk

Logo que alguém começa a jogar xadrez, ouve falar sobre rating e se pergunta “O que significa isso? Para que serve?”. Rating nada mais é que a medida da força de um jogador, calculada através de fórmulas matemáticas. O rating Fide, na forma conhecida atualmente, foi criado pelo físico húngaro-americano Arpad Emrick Elo (1903-1992) para a Federação Estadunidense de Xadrez (USCF), na década de 60.

Ao criar o sistema de rating, Elo estava preocupado em mais do que apenas uma ordem de força entre os vários jogadores. Ele pretendia ser capaz de atribuir probabilidades de vitória para cada confronto a ser realizado. Para tanto, e diante de sua experiência como físico, baseou seu sistema na Teoria dos Erros e usou uma escala de intervalo.

No geral, essas escalas são arbitrárias. Ao longo da história do xadrez, foi comum a distinção da habilidade dos jogadores por níveis (terceira, segunda e primeira categorias, mestre, grande mestre, etc.). Isso era especialmente verdadeiro para os Estados Unidos. Ao criar sua escala, Elo queria que um intervalo de classe correspondesse aproximadamente a estes níveis determinados pela tradição enxadrística. Além disso, queria que sua escala incluísse todos os níveis sem que um rating jamais ficasse negativo.

Ademais, já havia um sistema de rating em uso nos Estados Unidos quando Elo começou seus estudos da matéria, o sistema Harkness. Nesse sistema, o intervalo de classe era de 200 pontos e esperava-se que um jogador com 2000 pontos de rating tivesse um aproveitamento de 50% na grande maioria dos abertos de final de semana em que participasse. Como essa escala servia bem a seus objetivos, Elo a manteve, alterando apenas a maneira como as variações de rating e performances eram calculadas.

Nessa escala (figura abaixo, extraída do livro de Elo), novatos teriam menos de 1200 pontos. Os intervalos entre 1200 e 1400; 1400 e 1600; 1600 e 1800, e 1800 e 2000, correspondiam a jogadores amadores das classes D, C, B e A – ou 4ª, 3ª, 2ª e 1ª categoria – respectivamente, no entendimento de então da USCF. O intervalo entre 2000 e 2200 abarcaria a grande maioria dos experts e candidatos a mestre. O intervalo 2200-2400 abrangeria a maioria dos mestres nacionais; 2400-2600 incluiria a grande maioria dos mestres internacionais e grandes mestres. Os jogadores acima de 2600 eram vistos como potenciais candidatos ao título mundial.


Alguns desses valores modificaram-se com o tempo. Embora o Mundial e o Brasileiro Amador, exijam que seus participantes tenham menos que 2000, o adjetivo se aplicaria a muitos jogadores na faixa 2000-2200. Em seu recém-criado título de candidato a mestre, a Fide exige um rating mínimo de 2200. Assim, a grande maioria fica na faixa entre 2100 e 2300. Os títulos de expert e mestre nacional não são reconhecidos pela Fide. O primeiro corresponde aproximadamente ao de candidato a mestre, e o segundo ao de mestre Fide. Destes é exigido 2300 (ficando, portanto, a maioria na faixa 2200-2400). Dos MIs, exige-se 2400 (a maioria está em 2300-2500). Dos GMs, é exigido 2500 (pouquíssimos têm menos que 2400). Hoje, dificilmente um jogador com menos de 2750 pode ser seriamente considerado como um candidato ao título máximo do xadrez.

Já tendo uma idéia do que seja rating e do que seus valores significam, vamos começar a ver como o sistema Elo funciona. Começaremos pelo conceito de rating-performance (que abreviaremos para Rp daqui por diante). Rp é uma medida de desempenho de um jogador em um determinado torneio. Grosso modo, ele é calculado considerando a pontuação de um jogador e seus adversários. Levados esses fatores em conta, o Rp nada mais é do que a resposta à seguinte pergunta: Esta pontuação, contra esses adversários seria esperada para um jogador com qual força (rating)?

Antes de vermos exatamente como ele é calculado no sistema Elo, discutiremos brevemente as diferenças deste para o sistema Harkness. Embora ambos usem a mesma escala (criada por Kenneth Harkness para o sistema que leva seu nome), o Elo baseia-se deliberadamente na distribuição normal, enquanto o Harkness tem como sua base intuitiva uma função linear. Enquanto na primeira espera-se que dois terços das performances de um jogador fiquem dentro de um intervalo de classe, na segunda isso acontece apenas na metade das vezes. Diversos testes realizados a partir dos anos 60 revelam a superioridade do sistema Elo sobre o Harkness.

Passemos agora ao cálculo de Rp. Dois fatores são relevantes neste cálculo: o rating médio (Rc) dos adversários enfrentados e a porcentagem da pontuação alcançada nas partidas em questão. Consultamos a tabela abaixo até encontrarmos a porcentagem alcançada (P na tabela, mostrada em ordem decrescente e à moda estadunidense: como um número de duas casas decimais entre 0 e 1) e anotamos a diferença de rating equivalente, ou seja, o número à direita da porcentagem, Dp. Basta somar Dp ao Rc e obtemos o Rp:
Rp = Rc + Dp.


Como exemplo, utilizaremos performances do recém finalizado Aberto Aeroflot, em Moscou. Três jogadores terminaram a prova empatados na primeira posição, com 6,5 em 9 (72% de aproveitamento). Observamos na tabela que o Dp correspondente a esta porcentagem é 166. O GM vietnamita Le Quang Liem (2664 pontos de rating Fide) teve o melhor desempate e por isso foi declarado bi-campeão da prova (havia vencido o ano anterior). Seus adversários tinham um rating médio de 2643. Assim, sua performance foi de 2809 [2643+166]. Também fizeram 6½ os GMs russos Nikita Vitiugov (2709) e Evgeny Tomashevsky (2695, terminou a prova invicto). O primeiro enfrentou um Rc de 2637 e, portanto, obteve um Rp de 2803, enquanto que o segundo encarou um Rc de 2631, com um Rp de 2797. Os três tiveram, como era de se esperar, os três maiores Rp do torneio.

Os GMs brasileiros Alexandr Fier (2571), Krikor Mekhitarian (2528) e Felipe El Debs (2499) também participaram da prova, terminando, respectivamente com 4½ (50%), 3½ (39%) e 3 (33%) pontos. Seus Rc foram respectivamente 2643, 2614 e 2617. O Rp de Fier é o mais fácil de calcular: como ele fez 50%, seu Dp é zero, e o Rp é igual ao Rc, no caso, 2643. Os Dp de Mekhitarian e El Debs são, respectivamente, -80 e -125 (Dp é um número negativo para desempenhos abaixo dos 50%). Assim seus Rp foram 2534 e 2492.

O Aeroflot é um torneio muito duro: neste ano foram 86 jogadores no grupo A, sendo 72 GMs, 2 GMFs, 9 MIs, 2 MFs e apenas um jogador não-titulado. Um exemplo da dificuldade do torneio foi o desempenho da jovem sensação filipina, o GM Wesley So (2673, 18 anos). So abandonou a prova após a sexta rodada, tendo empatado cinco de seus jogos e perdido o restante (2,5/6, 42%, Dp -57). 

Como seu Rc foi de 2564, seu Rp foi 2507, longe de ser ruim, mas muito abaixo da expectativa de um astro em ascensão. Apenas um jogador teve um Rp fora de um intervalo de classe de seu rating atual: o MI russo Daniil Dubov (2459, 15 anos, invicto, 5/9, 56%, Dp 43, Rc 2656, Rp 2699), um dos jogadores a conquistar norma de GM na prova. O Rp mais baixo da prova foi do MI jordaniano Sami Khader (2450, o rating mais baixo do torneio). Ele teve cinco derrotas na prova e conseguiu apenas três empates, ficando bye na oitava rodada. Calculando: 1½/8, 19%, Dp -251, Rc 2519, Rp 2268.

Uma das grandes vantagens de escrever sobre um assunto é o quanto aprofundamos nosso conhecimento sobre o mesmo no processo (o mesmo vale para ensinar). Mesmo árbitros experientes podem descobrir algo inesperado no processo e foi exatamente isto o que aconteceu com este artigo. Já havíamos escrito os seis parágrafos abaixo quando a surpresa aconteceu.

“Ok!” você diz. “Já vimos o que rating significa; vimos como, onde, quando e porque o sistema Elo foi desenvolvido; comparamo-no brevemente ao sistema Harkness; também vimos como calcular performances.” “Cui bono?” você pergunta; “como faço para conseguir meu rating e com quanto eu começo?”

Para responder essa pergunta, vamos nos concentrar no rating Fide. Embora os ratings publicados por outras entidades possam também ter algum valor, nenhum alcança a universalidade e credibilidade do publicado pela Federação Internacional. Daqui por diante, qualquer referência a rating implicará em rating Fide, a não ser que indicado em contrário.

Pelo regulamento atual, para obter rating, um jogador precisa enfrentar pelo menos nove adversários que já tenham rating publicado em torneios válidos para tanto. Isso pode ser feito num único torneio, ou em blocos de, no mínimo, três partidas.

Mesmo que um jogador forme seu rating num único torneio, costuma-se falar de bloco ainda assim. Os blocos devem ser conseguidos todos num período de, no máximo, dois anos. Há restrições adicionais. No primeiro bloco, o jogador deve conseguir, no mínimo, um ponto contra os adversários com rating. Além disso, o bloco deve ficar acima do patamar mínimo de rating da Fide (atualmente, 1200). Cumpridos todos esses requisitos, o jogador terá seu rating inicial publicado na próxima lista da Fide.

E como saber qual o rating alcançado? Suponha que um jogador forme seu rating num único torneio. Caso ele tenha um aproveitamento igual ou pior que 50%, a seu bloco será atribuído um valor (Pr) igual ao seu rating-performance (fórmula 3.1 abaixo). Caso contrário, ao rating médio de seus adversários será somado 12,5 para cada meio ponto conseguido acima de 50% (fórmula 3.2 abaixo).

Pr = Rp [P≤50%]                                              (3.1)
Pr = Rc + 25 * (W – 0,5 * n) [P>50%]                 (3.2)

Onde W é a pontuação alcançada pelo jogador, n é o número de partidas dos blocos e os demais símbolos seguem as definições já apresentadas aqui e nos artigos anteriores.

Como exemplo, vejamos o desempenho de alguns jogadores sem rating no último Campeonato Brasileiro Amador, realizado durante o carnaval no Clube de Xadrez São Paulo. Josef Ponec terminou a prova na terceira colocação, com 5½ pontos nas sete rodadas disputadas. Todos seus adversários tinham rating, mas na primeira rodada Ponec venceu por ausência. Descontando-se essa partida (partidas não jogadas são desconsideradas para efeito de cálculo de rating), seu desempenho foi de 4½ em 6 (P = 75%, portanto aplicaremos a formula 3.2). Seu Rc foi de 1958, assim seu bloco (Pr) é de 1996 [1958 + 25 * (4,5 – 0,5 * 6) = 1995,5 que é arredondado para cima]. Victor Cavinato Moura também fez 5½ mas, com pior desempate, foi o quarto colocado. Todos seus adversários tinham rating, numa Rc de 1923 (novamente, utilizaremos 3.2). Assim, seu Pr foi de 1973 [1923 + 25 * (5,5 – 0,5 * 7)]. Eduardo de Aquino Gambale terminou na nona colocação, com 5 pontos. Seu adversário da segunda rodada, a quem Gambale venceu, não tinha rating e o Rc dos demais é de 1831. Assim, seu desempenho foi de 4 em 6 (P = 67%). Seu Pr foi de 1856 [1831 + 25 * (4 – 0,5 * 6)]. Para ilustrar o uso da fórmula 3.1, usaremos como exemplo o jogador Evandro José Coronado, que terminou a prova com três pontos. Seu adversário da sexta rodada, com quem empatou, não tinha rating. Assim, seu desempenho foi de 2½ em 6 (P = 42%) contra um Rc de 1815. Como ditado por 3.1, seu Pr é igual ao seu Rp (rating-performance), que calcularemos de acordo com a fórmula 2.1, vista no artigo anterior. O Dp correspondente a 42% é de -57, assim seu Pr é de 1758 [1815 – 57].

Agora já sabemos como calcular os blocos. E quanto ao rating inicial? No caso dum único bloco de nove ou mais partidas nada mais fácil: o rating inicial é igual ao Pr do bloco. E se forem precisos mais de um bloco para formar o rating? Nesse caso, calcule Pr para cada um dos blocos, conforme explicado no parágrafo anterior e o rating inicial (Rn) será igual à média ponderada dos blocos, usando o número de partidas do bloco como peso:

Rn = (Σ ni * Pri)/( Σ ni)                                 (3.3)

Aqui pretendíamos mostrar alguns exemplos, mostrando na prática como a fórmula 3.3 funciona e, para tanto, usamos a ultima lista da Fide, publicada em 1º de março. Logo percebemos que os valores calculados não correspondiam aos novos ratings publicados. Voltamos ao Handbook da Fide e percebemos que a mesma alterou o modo como ratings novos são calculados, invalidando o parágrafo anterior. Assim o reescrevemos abaixo:

Agora já sabemos como calcular os blocos. E quanto ao rating inicial? Nada mais fácil: consideram-se todos os blocos como se fossem conseguidos num único torneio e calcula-se o Pr equivalente. Como exemplo, consideremos o jovem Bruno Orlando Starke, que teve seu primeiro rating publicado na lista de março (o mais alto entre os 35 novos brasileiros na lista). Ele teve dois blocos, um conseguido na II Copa Cidade de Curitiba (4 em 6, contra um Rc de 2162) e outro no III Memorial José Jabur (1 em 4, contra um Rc de 2070). Assim, o bloco integrado é de 5 em 10 contra um Rc de 2125 [(2162*6+2070*4)/10], com um rating inicial (Rn) de 2125.

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