Prezados Enxadristas Universitários e comunidades,
Um
interessante artigo do professor Wei Ji Ma da Universidade de Nova Iorque sobre
a questão de gênero no xadrez, porém com uma abordagem esclarecedora que
desmistifica o entendimento de que as mulheres são inferiores no xadrez a
partir de uma desconstrução estatística.
Este é um dos vários artigos que enriquecem o combate do preconceito às nossas atletas, além de servir como empoderamento ajudando a ampliar o número de enxadristas mulheres, quantificando seus participantes para os benefícios do xadrez.
Boa leitura!
Saudações Enxadrísticas,
Fábio da Rocha
Presidente
do Clube de Xadrez Scacorum Ludus
Por Chessbase
Traduzido por Fábio da Rocha - https://es.chessbase.com/post/diferencia-de-genero-en-el-ajedrez
18/10/2020 - Se você quiser comparar as
conquistas de homens e mulheres no xadrez, escreve o professor Wei Ji Ma, da
Universidade de Nova Iorque, dada a grande diferença entre o número de
jogadores de cada gênero, é uma péssima ideia se concentrar nos melhores
representantes de cada grupo. Ao fazer isso, a lacuna no número de
participantes precisaria ser levada em consideração por meio de uma análise
semelhante à que ela apresenta. O professor Ma fornece as ferramentas necessárias
para refutar a teoria de que as mulheres são inferiores neste esporte.
Muito antes de a noção de “fake
news” existir, artigos foram escritos sobre a suposta inferioridade das
mulheres no xadrez. Na maioria dos outros domínios da vida, essas ideias
eram consideradas reacionárias e repulsivas; entretanto, ao escrever sobre
xadrez, por algum motivo, eles não são apenas aceitáveis, mas até
convencionais. Alguns dias atrás, vimos o último episódio desta série
desagradável: um artigo no site indiano Mint intitulado
"Por que as mulheres perdem no xadrez?", que foi reimpresso aqui no
ChessBase. Como muitos
de seus antecessores, este artigo afirma que há uma lacuna de gênero quando se
trata de conquistas no xadrez e, em seguida, especula sobre possíveis fatores
causais, como autoridade masculina, ausência de modelos a seguir e diferenças
biológicas. O artigo cita à GM Humpy Koneru comentando que os homens são
simplesmente melhores jogadores, "temos que aceitar isso."
Na realidade, o artigo é
incrivelmente descuidado quando se trata de argumentar que existe uma lacuna nos
êxitos obtidos por homens e mulheres. O autor menciona que as duas melhores
jogadoras do mundo, Hou Yifan e Humpy Koneru, ocupam as posições 86 e 283 no
ranking mundial, que nenhuma mulher conquistou o Campeonato Mundial, e que a
distância entre a melhor enxadrista e o melhor enxadrista no mundo é de 205
pontos Elo. Esses argumentos são variantes de um tema comum: seja qual for a
métrica aplicada na análise das melhores jogadoras do mundo, sempre se mostra
que as mulheres jogam pior do que os homens. Há um grande erro neste argumento:
para comparar razoavelmente grupos sub-representados com grupos
super-representados, nunca
devem ser usados os melhores indivíduos em cada grupo. Esse
é um erro estatístico que você nem cometeria em um curso introdutório na
faculdade.
O artigo de Mint começa
promissor. Ele menciona que apenas 16% dos jogadores inscritos na
Federação Indiana de Xadrez são mulheres e acrescenta, corretamente, que
"menos representantes no nível inicial resulta em piores chances de
alcançar as melhores posições". Em seguida, ele abandona rapidamente
esse argumento e cobre extensivamente crenças psicológicas não científicas
relacionadas ao "instinto assassino" e à "sensibilidade
emocional".
Um exercício mental
Por que este é um argumento
chave? É muito simples. Digamos que temos dois grupos, A e B. O Grupo A é
composto por 10 pessoas e o Grupo B é composto por 2. Cada uma dessas 12
pessoas recebe aleatoriamente um número entre 1 e 100 (com substituições). Em
seguida, uso o número mais alto do grupo A como pontuação para todo o grupo e o
número mais alto do grupo B como pontuação para este segundo conjunto. Em
média, o grupo A terá 91,4 pontos e o grupo B, 67,2 pontos. A única diferença entre o grupo A e
o grupo B é o número de pessoas. O grupo maior tem maior probabilidade de
obter uma pontuação alta, portanto, em média, você terá uma pontuação mais
alta. A maneira justa de comparar dois grupos de tamanhos diferentes é
comparando suas médias, não suas pontuações mais altas. Claro, neste
exemplo, a média seria 50 em ambos os grupos - nenhuma diferença!
Mulheres indianas jogam tão bem
quanto os homens em média
Você pode pensar que este é
apenas um argumento teórico. Claro, se nos concentrarmos nos ratings de enxadristas,
não pode ser tão simples, certo? Então, vamos analisar os ratings. Foi
baixada a lista oficial de rating da FIDE, de 06 de outubro, selecionados todos os
jogadores da Federação Indiana de Xadrez e removidos todos os jogadores
juniores (nascidos em 2000 ou mais tarde), já que seus ratings frequentemente
não representam sua verdadeira força. Havia 19.064 jogadores de xadrez,
dos quais 17.899 (93,9%) são homens e 1.165 (6,1%) são mulheres. O melhor
jogador masculino é Viswanathan Anand com 2753 pontos e a melhor jogadora é
Humpy Koneru com 2586 (uma diferença de 167 pontos). A GM Koneru, ranqueada
em 15º lugar entre todos os jogadores de xadrez indianos, é a única jogadora
entre os 20 primeiros. Superficialmente, esses fatos parecem sugerir que há uma
lacuna entre as conquistas de cada gênero.
Mas não é
assim. Recordando nosso exercício mental, vamos dar uma olhada em toda a
distribuição de rating, incluindo jogadores de xadrez masculinos e femininos da
Índia:
A enorme discrepância entre
as linhas azul e laranja reflete a diferença entre o número de
participantes. Para comparar mais facilmente as distribuições, mudaremos o
eixo vertical do número de jogadores para a proporção de jogadores (para cada
gênero):
A linha das jogadoras parece
mais irregular devido ao fato de que há menos participantes, mas fora isso,
essas duas distribuições não parecem radicalmente diferentes. Além do
mais, os ratings médios para homens (1.434) e mulheres (1.466) são compatíveis. E
as médias são a métrica mais justa para comparar homens e mulheres.
Uma lacuna de 167 é inesperadamente
grande?
Mas isso não responde às
nossas perguntas. Por exemplo, uma lacuna de 167 pontos entre o melhor jogador
de xadrez e a melhor jogadora é inesperadamente grande? Para responder essa
pergunta, analisaremos agora todas os ratings em um único grupo, deixando o
gênero completamente de lado. Em seguida, escolhemos aleatoriamente 17.899 ratings,
que compõem o grupo dos "super-representados", e, a seguir,
escolhemos os demais 1.165 ratings, formando o grupo
"sub-representados". Esses números representam exatamente o número de
enxadristas homens e mulheres em nossa amostra, exceto que criamos grupos
completamente arbitrários com este número de indivíduos. Tomamos nota do rating
mais alto de cada grupo. Repetimos o processo 100.000 vezes. (Para os amadores:
estamos seguindo a lógica dos testes permutativos).
Adivinhem. A diferença entre
o melhor rating dos "super-representados" e o melhor rating do
"sub-representado" é de 153 pontos em média (com um desvio padrão de
93). Mais uma vez, lembremos que as características desses grupos são
idênticas, exceto pelo número de participantes. O fato de o grupo
“sub-representado” constituir 6,1% da população faz uma grande diferença nos ratings
mais altos de cada grupo. Seguindo essa lógica, a diferença real de 167 pontos
poderia facilmente ser devida simplesmente à sorte e não a uma série de
diferenças entre homens e mulheres. É assim, simples.
Outras métricas usadas com
frequência também não mostram evidências de diferença de gênero. Por
exemplo, se nos basearmos apenas no número de participantes, seria de esperar
que apenas 1,2 mulheres enxadristas estivessem no top 20 geral. Portanto,
o fato de Humpy Koneru ser a única mulher entre os 20 melhores é completamente
lógico, se contarmos com o número de participantes para encontrar a análise
estatística correta.
Conclusão
Concluímos que, pelo menos
entre os jogadores indianos ranqueados e não pertencentes ao sub-20, não há
evidências de que “a diferença entre desempenhos” seja apenas uma consequência
da diferença no número de participantes. Isso não nega a perspectiva de
primeira pessoa das melhores jogadoras de xadrez do mundo, que podem sentir que
já atingiram o auge de suas habilidades. No entanto, estatisticamente, não há
nada que sugira que as melhores jogadoras de xadrez do mundo tenham um
desempenho inferior se levarmos em consideração a diferença entre o número de
jogadores e jogadoras que praticam esse esporte. Na verdade, levando em
consideração as injustiças e parcialidades sistemáticas que tiveram de superar,
é muito provável que essas enxadristas estejam atuando acima do esperado.
Ideias-chave:
1.
Se você quiser comparar as conquistas de xadrez de homens e
mulheres, dada a grande diferença entre o número de jogadores de cada gênero, é
uma péssima ideia focar nos melhores representantes de cada grupo.
2.
Se o foco estiver nos melhores jogadores, será necessário levar em
consideração a defasagem entre o número de participantes de cada gênero,
utilizando uma análise semelhante à aqui apresentada. Um comentário fugaz
não é suficiente!
3.
Mesmo que, hipoteticamente, fosse encontrada uma lacuna de gênero
com base nas médias das avaliações (e não nos melhores ratings), não se poderia
concluir que essa diferença ocorra por fatores inatos ou biológicos. A
análise deve começar observando as desvantagens sistêmicas e a ameaça do
estereótipo que as jogadoras de xadrez vivenciaram.
Os argumentos estatísticos
apresentados neste artigo são elementares o suficiente para serem compreendidos
em um curso introdutório de estatística na faculdade. Se você quiser replicar a
análise em outros países, você pode verificar meu código Matlab para entender os
detalhes. Se preferir ler um artigo publicado, não perca a oportunidade de explorar este excelente trabalho escrito por Merim Bilalić, Kieran Smallbone, Peter McLeod e
Fernand Gobet (2009). (O PDF gratuito pode
ser baixado usando o Google Acadêmico). O título deste trabalho deve ser a
primeira pergunta que todos nós nos perguntamos: Por que as (melhores)
jogadoras de xadrez são tão
boas para jogar xadrez? E a segunda pergunta deveria ser: como
podemos reduzir a enorme lacuna no número de participantes de cada gênero?
Sobre o autor
Wei Ji (também Whee Ky) Ma é um MF
holandês com um rating de 2324 e Professor de Neurociência e Psicologia na Universidade de Nova York. Anteriormente, ele explicou no
Chessbase como uma "cultura do
gênio" no xadrez poderia contribuir para a exclusão das mulheres no
esporte.