O treinamento enxadrístico desde uma ótica cognitivista

 


Prezados/as Enxadristas e Comunidades,

O presente artigo do Dr. Uvencio Blanco, na plataforma do Chessbase.com, tem como temática as pesquisas com enfoque cognitivo e os processos envolvidos na resolução de problemas de xadrez.

Boa leitura a todos!

Que a força esteja conosco!

Fábio da Rocha

Presidente do Clube de Xadrez Scacorum Ludus

 

09/12/2020 - As primeiras investigações cognitivas foram orientadas para os processos envolvidos na resolução de problemas de xadrez; porque os cognitivistas estão interessados ​​em investigar questões teóricas relacionadas ao processamento da informação humana, especialização e pensamento, por meio do xadrez. Portanto, em suas conclusões, eles sugerem que jogar xadrez envolve a manifestação de uma série de problemas interessantes com aplicações práticas em vários domínios, como no campo do treinamento enxadrístico. | Foto histórica via Uvencio Blanco | Tradução: Fábio da Rocha do Clube de Xadrez Scacorum Ludus/UFS

Dedicado a IM Ramón Huerta Soris

• Sugiro que, quando falarmos agora sobre o treinamento de xadrez, vamos nos referir à aplicação de uma série de resultados, conclusões, estratégias e metodologias derivadas de pesquisas cognitivas.

• O treinamento baseado na prática deliberada ajuda a melhorar a habilidade no xadrez e, consequentemente, no desempenho esportivo, pois essas melhorias estão estritamente ligadas à capacidade cognitiva do indivíduo.

• A experiência é adquirida por meio da prática deliberada e, particularmente no xadrez, essa prática tem um efeito imediato no desempenho.

Além disso, como resultado de suas pesquisas, estimam que a busca de soluções para múltiplos problemas, apresentados sobre o tabuleiro, implica a manifestação de uma atividade cognitiva complexa.

De fato, na prática do xadrez, há uma grande demanda nos recursos cognitivos do jogador; particularmente em alguns processos mentais que envolvem formas de pensamento como o crítico, lógico e abstrato, atenção, imaginação, memória de trabalho de longo prazo, etc.

Nesse sentido, sugiro que, quando falarmos agora em treinar xadrez, nos referimos à aplicação de uma série de resultados, conclusões, estratégias e metodologias derivadas de pesquisas cognitivas. Isto implica estimular e aumentar, nos nossos jovens atletas, as competências cognitivas envolvidas na resolução de problemas apresentados durante o desenvolvimento das diferentes fases do jogo, de forma a atingirem um maior conhecimento na disciplina.

Por outro lado, no treinamento alcançamos uma série de situações que estão diretamente relacionadas a tais habilidades cognitivas ativadas durante um jogo de torneio.

Além disso, fatores como a capacidade de busca profunda, a aplicação de princípios posicionais e de planejamento estratégico, são determinantes críticos do nível de habilidade em jovens enxadristas.

Um dos problemas está relacionado à memória; em particular, com o esquecimento de elementos ou sequências importantes da teoria de aberturas. Outra, tocante à percepção, a limitação apresentada ao detectar motivos tático-combinatórios, nossos ou do adversário.

Da mesma forma, problemas de memorização de linhas especialmente concebidas para o planejamento ou fase de abertura. Da mesma forma, uma situação muito comum é a desorientação no meio do jogo, ao não reconhecer adequadamente as configurações ou padrões presentes no tabuleiro.

Alguns autores também apontam que a confusão tende a ser recorrente na identificação de temas táticos, tático-combinatórios e estratégicos associados a seu repertório de abertura. Em muitas ocasiões, porque em seu treinamento, eles tendem a trabalhar em problemas táticos selecionados aleatoriamente, mas são incapazes de reconhecer as ideias táticas que podem estar presentes em seus próprios jogos.

Entre "Amaurosis schachistica" e a "Síndrome de Kotov"

Certos acontecimentos foram apontados um século atrás, por Siegbert Tarrasch, em seu livro "O Jogo Moderno de Xadrez" sob o título "Amaurosis scacchistica". Este mestre alemão, referiu-se a uma repentina cegueira enxadrística que ocorria quando o enxadrista perdia temporariamente a visão geral do jogo, fato que o levou a cometer erros durante o desenvolvimento de uma jogada, combinação ou manobra.

Perto dessa situação está a chamada "Síndrome de Kotov"; que foi descrito há 50 anos - pelo grande mestre e treinador soviético Alexander Kotov. Ela se manifesta quando o enxadrista, diante de uma situação de incerteza, tende a pensar por muito tempo, mas dado o alto nível de confusão e dúvidas em que se encontra, não consegue uma continuação adequada ou uma solução para o problema ou problemas levantados no tabuleiro. Segundo este autor, “quando o jogador percebe que lhe resta pouco tempo, faz um movimento rápido - impulsivamente - muitas vezes mal e que não foi bem analisado, o que o faz perder o jogo”.

A prática deliberada melhora a destreza

Estes são conhecimentos e experiências que devem ser conhecidos por todo treinador de forma a reforçar aquelas areas em que seus aprendizes apresentam fragilidades como as expostas; por exemplo, na sistematização da prática deliberada.

Obviamente, um treinamento baseado na prática deliberada ajuda a melhorar a habilidade enxadrística e, consequentemente, no desempenho esportivo, pois essas melhorias estão estritamente ligadas à capacidade cognitiva do indivíduo.

Na verdade, os resultados recompilados de um conjunto de mais de 750 estudos das ciências cognitivas sugerem que a habilidade no xadrez se correlaciona significativamente com todas as medidas da habilidade cognitiva. Tomados em conjunto, os resultados de estudos com várias variáveis, como atenção, memória, etc., sugerem que um rendimento superior ou excelente no xadrez está associado às capacidades mentais gerais.

Eles também descobriram que enxadristas com uma habilidade cognitiva superior têm melhores oportunidades de alcançar o domínio do xadrez.

Em relação à variável de raciocínio geral, ela aparece envolvida em vários processos relacionados ao xadrez, como reconhecimento de padrões, análise de posições ou busca de lances candidatos.

E embora as variáveis ​​de inteligência e experiência também estejam relacionadas; a pesquisa indica que um alto nível de inteligência não parece ser suficiente para atingir um alto nível de jogo.

Da mesma forma, nos estágios iniciais do desenvolvimento da experiência, o coeficiente intelectual e a motivação influenciam no rendimento do xadrez. No entanto, também nos informam que a experiência é adquirida por meio da prática deliberada e, particularmente no xadrez, essa prática tem um efeito imediato no rendimento.

Estudos confirmam que o conhecimento de conteúdos típicos do xadrez, é um importante determinante da habilidade neste esporte. Porém, a experiência adquirida por jovens enxadristas participando de torneios é o mais forte sinalizador da força de jogo, representando 25% da variação total na habilidade.

Finalmente, podemos concluir que –em geral- as habilidades intelectuais e cognitivas, envolvidas no desenvolvimento da habilidade, são transferíveis; portanto, as evidências da pesquisa cognitiva devem ser interpretadas e incorporadas aos diferentes programas de treinamento enxadrístico, a fim de otimizar a perícia e as probabilidades de sucesso esportivo de jovens aspirantes a mestres nesta disciplina.

Fonte: "Xadrez, ciência cognitiva e educação" (Blanco, U. 2020)

Foto: GM's Miguel Najdorf, Tigran Petrosian, Alexander Koblenz, Isaac Romanov, Iosif Dorfman e Víctor Kart; em uma sessão de análise no âmbito do Torneio Interzonal de Moscou, 1982.

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