Como as crianças do pré-escolar percebem o xadrez?

 


Prezados Enxadristas universitários e comunidades,

Após um período sem nada publicar, estamos voltamos com artigos interessantíssimos sobre o nosso jogo, o rei dos jogos que se chama xadrez.

Neste retorno, apresentaremos um artigo do renomado colunista da chessbase e palestrante, Dr. Uvencio Blanco, sobre como as crianças no pré-escolar percebem o xadrez.

Boa leitura a todos e viva o xadrez!

Fábio da Rocha

Presidente do Clube de Xadrez Scacorum Ludus

 

por Uvencio Blanco Hernandez

20/05/2022 – Recentemente, durante um seminário para formação de Instrutores de Xadrez, afirmamos que um dos aspectos mais importantes dos objetivos da educação era o desenvolvimento de habilidades cognitivas como pensamento crítico, tomada de decisão e resolução de problemas. Artigo do Dr. Uvencio Blanco. | Foto: Sebastian Siebrecht (Faszination Schach). | Tradução: Fábio da Rocha – Clube de Xadrez Scacorum Ludus/UFS - https://es-chessbase-com.translate.goog/post/como-ninos-de-preescolar-perciben-el-ajedrez-articulo-por-uvencio-blanco?_x_tr_sl=es&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=wapp.

·         Evidências recentes sugerem que as crianças na educação inicial têm atitudes positivas em relação ao xadrez; que elas reconheçam e cumpram suas regras, que sejam capazes de traçar várias analogias entre o xadrez e a vida real, que o xadrez reflita tanto seu desejo inerente de vencer quanto os mundos internos da criança. Assim, como professores ou instrutores desta disciplina recreativa, devemos tentar compreender esse mundo através do próprio xadrez. 

·         Neste artigo faremos uma breve referência a alguns desses aspectos que tocam o moral e emocional, a percepção e as atitudes relacionadas ao xadrez, tendo como participantes crianças pré-escolares pertencentes a centros públicos de Ancara.

Xadrez e resolução de problemas

Recentemente, durante um seminário para a formação de Instrutores de Xadrez, afirmamos que um dos aspectos mais importantes dos objetivos da educação era o desenvolvimento de habilidades cognitivas como pensamento crítico, tomada de decisão e resolução de problemas.

Por exemplo, para resolver um problema de matemática, muitas habilidades básicas são exigidas e utilizadas, como ler, refletir, planejar, resolver problemas, estabelecer estratégias e procedimentos e revisá-los, modificar o plano se necessário, verificar a solução (se foi encontrados), até a comunicação dos resultados.

Por outro lado, lembremos que a teoria da resolução de problemas desenvolvida por Newell e Simon (1972) foi baseada em jogos. Para o desenvolvimento dessa teoria, os quebra-cabeças foram escolhidos como instrumento para determinar o nível de pensamento analítico e a capacidade de resolução de problemas. Essa habilidade é essencial para a participação - com maiores chances de sucesso - em esportes da mente como o xadrez.

Precisamente, esta afirmação é apoiada por uma importante série de estudos que sugerem que o jogo de xadrez é uma forma perfeita de promover esta e outras habilidades necessárias para a vida diária, acadêmica e profissional. Nesse sentido, o xadrez é a solução de problemas do início ao fim; forçando-nos a medir nossas forças e prever com maior precisão.

A premissa derivada disso é que a matemática é aprendida resolvendo problemas matemáticos; porque ao resolver problemas, uma pessoa tem a oportunidade de realizar processos essenciais da atividade matemática, entre os quais explorar relações, observar regularidades, formular conjecturas, elaborar justificativas e comunicar ideias, o que lhe permitirá desenvolver um ponto de vista matemático e capacidade de utilizar as ferramentas da disciplina (Schoenfeld, 1992).

Xadrez, um espelho da vida

Mas o xadrez não é apenas a expressão de um jogo emocionante que estimula o desenvolvimento de habilidades de pensamento, mas também - em muitos aspectos - simula a vida real, no sentido de que as jogadas feitas por um jogador de xadrez podem mudar sua vida. Seymour e Norwood (1993) afirmaram que o xadrez é uma ferramenta de ensino particularmente eficaz para as crianças aprenderem a importância do planejamento e as consequências das decisões.

Estudos como os de Dauvergne, 2000; Ferguson, 1995; Marguiles, 1998 e Frank 1974, mostraram a conexão entre xadrez e estratégias de resolução de problemas, pensamento crítico, desempenho acadêmico, criatividade e outras habilidades cognitivas.

Além disso, alguns pesquisadores como Sala e Gobet (2016) também afirmam que jogar xadrez tem efeitos positivos nas habilidades cognitivas e no sucesso acadêmico. Da mesma forma, Gobet e Campitelli (2002) estimam que a resolução de problemas, o treino da memória de trabalho, a avaliação das opções e o cumprimento das regras são alguns dos efeitos positivos derivados do estudo e prática sistemática do xadrez. Por seu lado, Siondgirtmac (2012), considera que as crianças que jogam xadrez são mais bem-sucedidas no desenvolvimento conceptual do que as crianças que não sabem jogar xadrez.

Além disso, o xadrez é considerado uma ferramenta educacional eficaz, capaz de melhorar habilidades acadêmicas, como leitura e habilidades cognitivas gerais, como concentração e inteligência, e até mesmo heurísticas e hábitos mentais das crianças (Costa & Kallick, 2009). Ao mesmo tempo, muitas crianças têm alguns problemas sobre a transferência do processo de aprendizagem. O xadrez provou ser uma ferramenta forte para apoiar o processo de transferência de aprendizagem.

Relativamente a este domínio, verificou-se que as competências avaliadas nas crianças são menos contextuais do que as dos adultos e, por isso, a transferência da aprendizagem é mais provável nos adultos do que nas crianças. Um estudo de Bart (2014) afirma que:

·         O xadrez é uma tarefa exigente que envolve concentração de atenção e resolução de problemas, jogar xadrez deve fortalecer essas habilidades cognitivas e, portanto, ser benéfico para o desempenho escolar das crianças.

Educação moral em crianças pré-escolares

Sobre o processo de ensino - aprendizagem de xadrez nas salas de aula da Educação Infantil, Blanco, U. 1998), afirma que:

·         O ensino sistemático do xadrez compartilha, com a escola, o propósito de desenvolver o pensamento, educar em valores e facilitar hábitos e padrões virtuosos do caráter.

Com efeito, verificamos – através de vários estudos importantes – que a incorporação do jogo de xadrez nas escolas, como estratégia didática, estimula o desenvolvimento do pensamento organizado, da criatividade, do espírito crítico; o sentido ético e artístico. De tal forma que o aspecto ético e moral da criança – aquela parte que chamamos de "educação moral" – é afetado positivamente por esse tipo de intervenção pedagógica.

Aqui devemos destacar que, na maioria das escolas ocidentais, a expressão “educação moral” está sendo gradualmente substituída por “educação social e moral”. Essa tendência é encontrada na pedagogia pré-escolar e se refere ao estudo das representações sociais e morais de crianças pré-escolares, para as quais se dirigem muitos métodos diagnósticos relevantes, como, por exemplo, explicar as ações das crianças e suas relações entre o sim e com os adultos, avaliar essas ações ou correlacioná-las com a norma moral vigente e expressar sua percepção e sentimentos em relação às experiências das quais participam.

Os estudos empíricos do desenvolvimento sócio-moral de crianças pré-escolares ajudam a identificar a sinergia da interação dos sujeitos do processo educativo, a rever as atividades dos sujeitos através da determinação de comunidades sociais, instituições sociais e consciência social geral.

Neste sentido e tendo em conta as características etárias das crianças, é necessário um trabalho psicológico e pedagógico, bem como as orientações sociais e morais inerentes ao desenvolvimento da sociedade atual.

Diante do exposto, há necessidade de pesquisas que possam revelar abordagens comuns e certos aspectos no processo de formação de normas morais, percepções e atitudes em crianças pré-escolares que participam de diversas atividades pedagógicas ou sociais.

Atitude das crianças em relação ao jogo de xadrez

A literatura sobre as contribuições do xadrez para o campo da educação é abundante; no entanto, existem áreas onde o conhecimento derivado de alguns estudos sobre percepção, moralidade, etc.  são escassos. De fato, há pouca informação sobre a atitude das crianças em relação ao xadrez e se este jogo reflete seu mundo interior.

Sobre este interessante tema, o grande professor brasileiro Jaime Sunye Neto nos enviou uma investigação muito original que revela alguns aspectos da personalidade de crianças em idade pré-escolar que iniciam neste jogo. Estudo que estuda aspectos pouco conhecidos da percepção que alguns pré-escolares têm sobre o jogo de xadrez.

Em 2017, Gunes, G. e Tugrul, B. apresentaram um estudo intitulado O xadrez é apenas um jogo, ou é um espelho que reflete o mundo interior da criança?

Nele, investigou-se como um grupo de crianças que se inicia nos rudimentos do xadrez, pensa e sente neste jogo e como faz uma analogia entre o xadrez e a vida. Segundo seus autores, o objetivo deste estudo foi:

·         Investigar como as crianças avaliam o xadrez e usam as atitudes das crianças em relação ao xadrez para entender seu mundo interior. Além disso, analisar as analogias das crianças entre o xadrez e a vida cotidiana. Os resultados deste estudo serão importantes na compreensão do mundo interior das crianças com a ajuda do xadrez. Além disso, educadores e pesquisadores podem encontrar a oportunidade de usar o xadrez como ferramenta de identificação para aprender sobre o mundo interior das crianças.

Gunes e Tugrul desenvolveram seu experimento a partir de uma amostra de 87 crianças de seis anos (42 meninas e 45 meninos), de duas pré-escolas públicas da cidade de Ancara – Turquia, durante a primavera do ano letivo 2015-2016. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado o Questionário de Xadrez Infantil e; para classificar as respostas das crianças, foi utilizado o método de análise descritiva. Para uma compreensão mais precisa desta pesquisa, sugiro estudar o artigo original, citado ao final desta nota.

·         Entre as conclusões mais importantes, podemos citar as seguintes:

·         As crianças têm emoções/sentimentos positivos em relação ao xadrez.

  • A maioria das crianças participantes afirmou sentir-se feliz e entusiasmada ao jogar xadrez. Eles até acreditam que jogar é mais importante do que ganhar.
  • Eles querem aprender coisas novas e ganhar o jogo.
  • As crianças têm fortes emoções e sentimentos positivos ao jogar xadrez que afetam suas escolhas de jogo/atividade.
  •  A maioria das crianças considera que o xadrez requer inteligência e atividade lógica (75%), é um jogo divertido (60%), importante (59%) e complexo (55%). Além disso, 60% consideram que pessoas inteligentes jogam xadrez.
  • A maioria das crianças pensa que as regras do xadrez são necessárias e permitem que elas tornem o jogo mais compreensível. Em relação a esses dados, observou-se que mais da metade das crianças depende das regras e não quer mudá-las.
  • A maioria dos participantes prefere ser rei, rainha ou torre. Eles os preferem porque essas peças têm uma poderosa capacidade de movimento e seu valor no jogo.
  • 80% das crianças conseguem fazer uma analogia entre o xadrez/jogo de xadrez e a vida.
  •   As analogias das crianças referem-se a jogos de guerra, animais (cavalos e elefantes). Essas analogias são as mais frequentemente enunciadas pelas crianças para relacionar o xadrez/o jogo de xadrez e o cotidiano infantil.


Gunes, G., & Tugrul, B. (2017). O xadrez é apenas um jogo ou é um espelho que reflete o mundo interior da criança? International Journal of Research in Education and Science, 3(2), 438-451.

 


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